segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Pastor lembra lições da Reforma Protestante para hoje: ‘Valorize a herança, não modismos’

Segundo o Pr. Ediudson Fontes, a Reforma Protestante surgiu de uma nova compreensão da Bíblia por Martinho Lutero.


FONTE: GUIAME, ADRIANA BERNARDO


Estátua de Martinho Lutero. (Foto: Reprodução / Imago / EPD)

A Reforma Protestante completa mais um ano desde que o monge agostiniano e doutor em teologia Martinho Lutero afixou as 95 teses no Castelo Wittenberg na Alemanha, no dia 31 de outubro de 1517.

Para falarmos sobre o significado deste divisor de águas na igreja Cristã, o Guiame fez uma entrevista exclusiva com Ediudson Fontes, teólogo e pastor auxiliar da Assembleia de Deus – Cidade Santa em Vista Alegre (RJ), casado com Caroline Fontes e pai do Calebe Fontes.

Autor do livro “Reforma Protestante e pentecostalismo”, Ediudson diz que o principal significado da Reforma é a restauração das doutrinas dos apóstolos de Jesus Cristo que ensinavam na igreja primitiva.

“No Cristianismo a Reforma Protestante quebrou o monopólio religioso da Igreja Católica Romana na Europa e abriu caminho para o surgimento de diversas vertentes do Cristianismo. Igrejas como Luterana, Anglicana, Presbiteriana e outras são fruto do desdobramento da Reforma”, explica.

De acordo com o pastor, que é estudioso do tema, especialmente focalizado na conexão das cinco solas e a Teologia Pentecostal, alguns pontos se destacam na Reforma que surgiu da nova compreensão da Bíblia por Martinho Lutero.

“No sentido Teológico, classifico dois tópicos: a Doutrina da Justificação pela Fé e o Sacerdócio Universal do Crente”, diz.

“A Doutrina Justificação pela Fé é uma doutrina bíblica apresentada na epístola do apóstolo Paulo aos Romanos. Mas foi deixava de lado durante o desenvolvimento da igreja, a ponto de as indulgências se tornarem uma prática normal na igreja”, explica o professor de Teologia.

Ediudson diz que “alguns teólogos católicos concordam com o Lutero e que a importância da justificação pela fé, nos ensina o quadro do ser humano diante de Deus. Por causa do pecado original, nós herdamos a natureza pecaminosa em Adão. Em consequência disso, estávamos mortos (espiritualmente falando), sem comunhão com Deus. No plano da salvação, é Deus que toma iniciativa. Sendo o Deus da vida, só Ele pode dar vida ao morto. Em Efésios 2, o apóstolo Paulo faz essa explicação”.

Sobre a doutrina do Sacerdócio Universal, o Pr. Ediudson diz que “é um dos pilares da teologia reformada. O significado desse ensino é que cada membro do corpo de Cristo tem acesso a Deus por intermédio em Jesus Cristo. Além do mais, nenhum membro do corpo de Cristo é superior ao outro. Diante de Deus, em Cristo, estamos no mesmo patamar”.

No sentido histórico, Ediudson, que é pós-graduado em Ciência da Religião, destaca o desenvolvimento do mundo moderno como fruto da Reforma. “Trouxe benefícios que usufruímos hoje, como a liberdade do indivíduo, a igualdade, o nacionalismo e a democracia. As mudanças nas leis, no casamento e na família são outros pontos que podemos mencionar”.

Essas mudanças se refletiram inclusive na política, diz o escritor, apontando que o estado moderno deixou de ser um monopólio do Catolicismo Romano. “A igreja controlou o estado durante a era medieval, mas a Reforma fez essa ruptura e fortaleceu o ideal do estado secular. Mudando para o estado de direito e trazendo o surgimento do capitalismo”.

Acompanhe a entrevista completa:

Guiame: Passados 504 anos da Reforma Protestante, o que a igreja atual mantém como legado original de Martinho Lutero?

Ediudson Fontes: Creio que o sacerdócio universal de todo crente está bem presente na igreja brasileira. O desejo que os evangélicos têm de buscar a Deus é uma característica forte, com várias programações que envolvem a membresia a estar na igreja e buscarem a Deus. Embora tenha crescido os “desigrejados” em nosso país, a maioria dos evangélicos entendem a importância de estar em suas igrejas em comunhão com os irmãos.

G: Martinho Lutero é o nome mais proeminente da Reforma Protestante, mas tiveram outros atores neste cenário, alguns até anteriores. Você poderia falar a respeito?

E.F.: Podemos mencionar dois nomes importantes que temos que citar ao falarmos sobre o tema: John Wycliffe e John Huss. Eles são conhecidos como “pré-reformadores”.

G: Pode nos falar um pouco sobre a atuação desses reformadores?

E.F.: Wycliffe era professor da Universidade de Oxford e denunciava a corrupção no clero católico; as diferenças que existiam nas classes dentro do próprio clero. Ele traduziu a Bíblia Vulgata em sua própria língua inglesa. Influenciado pelos ensinos de Wycliffe, John Huss criticou duramente as doutrinas católicas e as consequências disso foi o seu martírio. Isso não quer dizer que não houvesse outros grupos que desejassem a reforma na igreja católica.

Nomes como Pedro de Bruys e Henrique de Lausanne eram do movimento “Os petrobrussianos”. Outro movimento chamado de “Albigeneses” (tinha crenças próximas ao gnostismo) também criticou a igreja e os “Valdenses”

G: Existe algum ponto dissonante hoje na igreja evangélica/protestante sobre a Reforma? Qual seria?

E.F.: Infelizmente existem pontos dissonantes do evangélico brasileiro, que estão distantes da essência da reforma. Vamos aqui pontuar alguns: 1) Conceitos antropocêntricos: as pregações triunfalistas e coach possuem mensagens que agradam o “ego” das pessoas. São mensagens que não chamam a responsabilidade na vida cristã. Não falam de pecado, conversão nem de santidade. 2) Ignoram as suas raízes: vou aqui parafrasear Eula Kennedy Long, que diz “a igreja que não conhece a sua origem nem o que praticaram as suas pioneiras, não tem raízes profundas para alimentar o seu presente ou dirigir o seu futuro”.

G: Como o Sr. percebe essa dissonância da Reforma na igreja hoje?

E.F.: Vejo que o evangelicalismo brasileiro não tem esse cuidado. Muitos líderes não veem relevância em conhecer as nossas raízes. Alguns chegam até a afirmar que é “perda de tempo” tratar desses assuntos, porque o povo não quer saber disso. É só tratar de seus problemas e ponto. Mas vem a pergunta: Como tratar de problemas do povo se nem tem um fundamento bíblico sólido para ensinar?

G.: Então, como isso deve ser feito?

E.F.: Temos que ter a consciência de que igreja não é “self service”. A igreja é uma agência de Deus para apregoar as boas novas. Não negamos que Deus abençoe em toda área humana. Todavia, a salvação mediante a sua graça é a função principal. A igreja tem uma herança de mais de 2.000 anos que é riquíssima. Mas os líderes preferem, sem critérios, aceitar “modismos e inovações”, como fossem “entretenimento”. Em consequência disso, geram “evangélicos fracos”.

G: Poderia nos dar um exemplo de coisas que a Reforma ajudou a romper, mas que acontecem hoje?

E.F.: Barganhar com Deus. Existem líderes que usam de suas influências para “barganhar” as pessoas por dinheiro. Vou deixar bem claro: o dinheiro é importante sim, com ele fazemos a manutenção do templo, realizamos ação social para atender aos mais necessitados e outras atividades importantes. Mas usar o “o nome de Jesus” para fazer falsas promessas, para tirar proveito do povo, não é nada legal. Mas ilegal.

Não está muito diferente das indulgências da igreja do passado. Temos também a desvalorização da Teologia. Embora no Brasil tenhamos instituições teológicas (curso livres e reconhecidos pelo MEC), a valorização da Teologia nas igrejas ainda está distante do lugar que ela merece. Até mesmo por denominações que se exigem “formação teológica do candidato para o ministério”. Muitos, depois de formados, ignoram o conhecimento e usam os métodos neopentecostais. Isso não é boato e nem fake news. É o que está acontecendo!

G: Por que a Teologia deve ser valorizada em sua opinião?

E.F.: Todas as áreas têm a sua importância na igreja. O advogado, empresário, promotor de vendas, professor, jornalista, militar, motorista e outras profissionais são bem-vindos à igreja, mas quem fala a língua da igreja é a teologia. Posso citar alguns exemplos: A Bíblia de Estudo. Quem escreveu os seus comentários? Teólogos. Revistas de Escola Dominical. Quem escreveu? Teólogos. Mas isso passa despercebido. Preferem convidar pregadores triunfalistas ou coachs com suas mensagens “antropocêntricas e pelagianas” do que pregadores com conteúdo teológico.

Não nego que existam igrejas que a teologia é valorizada, posso citar as igrejas calvinistas que sempre se destacaram nessa tarefa. As igrejas pentecostais e arminianas estão também se dedicando à reflexão. Mas, no geral, a teologia não recebe a atenção que deveria.

G: Você escreveu um livro sobre a Reforma. Muitos cristãos não compreendem esse evento e seu significado, você acha que faltam informações a respeito?

E.F.: Não é por falta de livros que abordem o tema nem tão pouco por falta de palestrantes potentes. A falta de interesse está nas lideranças das igrejas. Neste mês que comemoramos a Reforma, muitos nem irão se lembrar, outros irão se lembrar, mas não darão importância. Serão poucos os que farão menção e tratarão do tema. A consequência disso, em minha opinião, é o povo não se interessar também e, em seguida, ter dificuldade em compreender sua origem.

G: O que seu livro traz de informações para o leitor sobre o tema?

E.F.: Eu lancei essa obra “Reforma Protestante e Pentecostalismo – A conexão das cinco solas e a Teologia Pentecostal” em 2019, pela Editora Reflexão. Como eu sou pentecostal (Assembleia de Deus), meu objetivo foi mostrar que os pentecostais seguem os axiomas da Reforma, as cinco solas, que são: Sola scriptura (somente a Escritura); Solus Christus (somente em Jesus Cristo); Sola Gratia (somente pela graça); Sola Fide (Somente pela Fé) e Soli Deo Gloria (Somente a Deus a glória).

Vale aqui registrar que antes do meu livro, já tinham livros e artigos acadêmicos que falavam sobre o assunto, mas de perspectivas diferentes. Outros livros sobre pentecostalismo falavam de forma breve sobre os pilares da reforma. O meu livro trata de maneira específica os axiomas da Reforma na perspectiva pentecostal. cada capítulo, abordo um “sola”.

Capa do livro “Reforma Protestante e pentecostalismo”. 
(Foto: Reprodução / Arquivo pessoal)

G: Como surgiu o interesse em falar da Reforma e como você reuniu os materiais para a produção da obra?

E.F.: Em 2017, recebi o convite honrado para ser um dos palestrantes do evento Terceiro Encontro de Teologia Arminiana – Especial 500 anos da Reforma Protestante. Organizado pelos amigos e pastores Luis Felipe Borduam e Vinícius Couto. Meu tema foi “Reforma Protestante e Pentecostalismo”. Depois de alguns meses, por sugestão do Pr. Vinicius Couto, comecei a expandir o assunto para se tornar um livro.

Era meu plano lançá-lo em 2018. Mas aprove a Deus que o “Panorama da Teologia Arminiana” fosse lançado. E em 2019, lancei a segunda obra. Para isso, procurei reunir as obras pentecostais, calvinistas, continuístas e outras para essa “obra dialética”.

G: Você dá palestras sobre o tema. O que as pessoas mais sentem curiosidade sobre a Reforma, em sua opinião?

E.F.: Geralmente, os irmãos perguntam sobre a “Justificação pela Fé”, pelo fato dessa doutrina bíblica não ser muito pregada.

Pr. Ediudson Fontes, autor do livro “Reforma Protestante e pentecostalismo”. (Foto: Reprodução / Arquivo pessoal)

G: Para alguns, Martinho Lutero foi um personagem controverso, apesar de seu feito. Ele, por exemplo, é considerado antissemita. O que você pensa a respeito?

E.F.: Lutero, em alguns assuntos se posicionou de uma maneira controversa sim. O autor Oswald Bayer, em seu livro “A Teologia de Martim Lutero”, afirma que “a teologia de Lutero é demasiadamente ágil e complexa”. Quando ele era mais jovem, o seu posicionamento em relação aos judeus era bem favorável. Em seu escrito “Que Jesus Cristo nasceu judeu” (1523), Lutero enaltece a importância da pregação aos judeus. Mas, em sua fase final de vida, Lutero escreveu textos duros contra os judeus.

Apesar da sua grande contribuição, Lutero errou muito ao falar dos judeus. Não podemos ter um “olhar romântico” e negar esse e outros erros que aconteceram para que não se repitam. O Senhor Jesus convida a todos à salvação (Mt 11:28). Muitos evangélicos gostam de falar dos erros dos católicos no período da Idade Média. Mas em nossa história também tem “muitas manchas”. Mas que não possamos nos esquecer: todo movimento tem seus efeitos e contribuições, mas as falhas também estão ali presentes. Isso ocorre porque é formado por seres humanos falhos. Com isso, vamos seguir o conselho do apóstolo Paulo: “Examinai tudo. Retende o bem.” Todavia, desfazer de sua contribuição é no mínimo ser desonesto e ingênuo.

G: Qual o principal legado de Lutero como um líder?

E.F.: Sua coragem de ir contra as práticas das indulgências e levar a Bíblia ao povo.

G: Lutero não chegou a ser pastor. Ele se manteve padre?

E.F.: Lutero era um monge agostiniano. Ele não queria se desligar da Igreja Católica Romana. Contudo, queria que a Igreja fosse reformada, todavia, o desdobramento do seu ato resultou no desligamento dele como monge da Igreja Católica Romana. Ainda, que Lutero não quisesse fundar a Igreja Luterana, os seus seguidores a fundaram, ocasionando, assim, uma total ruptura com o Catolicismo Romano.

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