“Quero, pois, lembrar-vos, embora já estejais cientes de
tudo uma vez por todas, que o Senhor, tendo libertado um povo, tirando-o da
terra do Egito, destruiu, depois, os que não creram; e a anjos, os que não
guardaram o seu estado original, mas abandonaram o seu próprio domicílio, ele
tem guardado sob trevas, em algemas eternas, para o juízo do grande Dia; como
Sodoma, e Gomorra, e as cidades circunvizinhas, que, havendo-se entregado à
prostituição como aqueles, seguindo após outra carne, são postas para exemplo
do fogo eterno, sofrendo punição. Ora, estes, da mesma sorte, quais sonhadores
alucinados, não só contaminam a carne, como também rejeitam governo e difamam
autoridades superiores. Contudo, o arcanjo Miguel, quando contendia com o diabo
e disputava a respeito do corpo de Moisés, não se atreveu a proferir juízo
infamatório contra ele; pelo contrário, disse: O Senhor te repreenda! Estes,
porém, quanto a tudo o que não entendem, difamam; e, quanto a tudo o que
compreendem por instinto natural, como brutos sem razão, até nessas coisas se
corrompem. Ai deles! Porque prosseguiram pelo caminho de Caim, e, movidos de
ganância, se precipitaram no erro de Balaão, e pereceram na revolta de Corá”
(Judas 5-11).
A apostasia não é algo novo. Embora ela possa parecer pior
hoje do que em anos anteriores, ela tem estado por aí desde quase sempre; e ela
colhe o juízo de Deus.
Apóstata é aquela pessoa que abandona a religião, os
princípios, o grupo ou a causa aos quais era associada e cujos ensinamentos
professava anteriormente.[1] O livro de Judas dá exemplos de apóstatas dos
tempos do Antigo Testamento e do juízo divino que esses apóstatas colheram.
Apóstatas do Antigo Testamento
O primeiro exemplo envolve o povo de Israel, a quem Deus
havia trazido do Egito sob a liderança de Moisés (Jd 5). Todos ficaram muito
satisfeitos em ser libertados da escravidão e do sofrimento que haviam
experimentado durante muitos anos. Mas os incrédulos entre os israelitas
ficaram satisfeitos meramente por motivos egoístas, em vez de ser pela honra e
glória de Deus. Como conseqüência, Deus, “destruiu, depois, os que não
creram” (Jd 5).
O segundo exemplo de Judas envolve um grupo de anjos, a quem
Deus criou para um domínio angélico especial, ou esfera de influência (v.6).[2]
Aparentemente, esses anjos ficaram satisfeitos com seu poder sobrenatural de
influência, mas decidiram usá-lo por motivos egoístas em vez de ser para os
propósitos de Deus. O pecado dos anjos consistiu em quatro ações:
1. Abandonar o domínio que lhes havia sido ordenado por
Deus, ou sua esfera de influência, a fim de se tornarem parte de um domínio
diferente.
2. Abandonar “seu próprio domicílio” (v.6). Esses
anjos desertaram da habitação ordenada por Deus para os anjos nos céus,[3] a
fim de viverem em outro local.
3. Entregar-se à “prostituição” (v.7). O
versículo 7 começa, dizendo: “Como Sodoma, e Gomorra, e as cidades
circunvizinhas”. Alguns intérpretes afirmam que o versículo 7 não tem
nenhuma relação com os anjos do versículo 6.[4] Eles insistem que as palavras“como
aqueles”, no versículo 7, se referem às cidades de Sodoma e Gomorra e
não aos anjos do versículo 6, e que Judas estava dizendo que as cidades ao
redor de Sodoma e Gomorra se entregaram à imoralidade sexual de maneira
semelhante às de Sodoma e Gomorra.
No entanto, a palavra “cidades” em grego é feminina.
Diferentemente, as palavras gregas traduzidas por “como aqueles” no versículo
7, e “anjos” no versículo 6 são ambas masculinas. Assim, “como aqueles” no
versículo 7 deve referir-se aos anjos do versículo 6, e não às cidades de
Sodoma e Gomorra.[5] Judas estava dizendo que Sodoma e Gomorra e as cidades ao
redor destas pecaram como os anjos do versículo 6, cometendo imoralidade
sexual.
Todavia, isto não significa que os anjos se entregaram ao
mesmo tipo de imoralidade sexual que os homens daquelas cidades perversas. A
palavra grega traduzida por “prostituição” no versículo 7 se refere a qualquer
tipo de relacionamento sexual proibido por Deus.[6] A imoralidade sexual dos
homens de Sodoma e Gomorra, e das cidades da circunvizinhança, envolvia irem
atrás de “outra carne”. Ir “após outra carne” significa “ter
relações sexuais antinaturais”.[7] Os homens se envolveram em relações sexuais
não-naturais uns com os outros, embora Deus tenha criado seres humanos
masculinos para serem sexualmente alheios a outros seres humanos masculinos (Lv
18.22; Lv 20.13; Dt 23.17.
4. Ir “após outra carne” (v.7). A
imoralidade sexual dos anjos também envolvia ir atrás de “outra carne”. Deus
criou anjos como seres espirituais, sem corpos físicos de carne e osso. Assim,
os anjos do versículo 6, contrariamente à sua natureza e ao que Deus pretendia,
buscaram ter relações sexuais com carne física. O final do versículo 6 indica
que Deus puniu esse pecado quádruplo confinando-os a um lugar lúgubre de
trevas, onde Ele os mantém até o juízo final deles no fim da história desta
Terra: Ele os reservou em “algemas eternas” para o juízo do
grande dia.
O apóstolo Pedro tinha em mente esses mesmos anjos quando
escreveu:
“Ora, se Deus não poupou anjos quando pecaram, antes,
precipitando-os no inferno, os entregou a abismos de trevas, reservando-os para
juízo. E não poupou o mundo antigo, mas preservou a Noé, pregador da justiça, e
mais sete pessoas” (2Pe 2.4-5).
Várias coisas devem ser observadas relativamente a estes
comentários: Primeiro, Pedro estava se referindo a um grupo de anjos a quem
Deus havia confinado e acorrentado em um terrível lugar de trevas no passado.
Segundo, embora a tradução chame esse lugar de “inferno”,
Pedro não usou a palavra do Novo Testamento para “inferno” (Hades) nesta
passagem. Em vez disso, ele usou a palavra Tártaro. O mundo
antigo entendia Hades e Tártaro como duas coisas distintas. Tanto os escritores
apocalípticos gregos como judeus consideravam Tártaro como “um lugar
subterrâneo, mais baixo que o Hades, onde o castigo divino era executado”.[8] O
capítulo 22, versículo 2, do Livro Apócrifo de Enoque apresenta o Tártaro como
o lugar de punição para os anjos caídos. Pedro estava indicando que esses
espíritos maus estão aprisionados no mais profundo abismo das trevas.
A Segunda Carta de Pedro 2.4 é o único texto no Novo
Testamento em que esse lugar de juízo é mencionado com seu próprio nome. Várias
outras passagens se referem a ele através de seu termo descritivo, como o “poço
do abismo” (literalmente “o abismo”). A palavra “abismo” significa
“impenetravelmente profundo”. Escritores apocalípticos judeus o chamavam de “o
lugar onde espíritos andarilhos [fugitivos, vagabundos], estão confinados”
(Jub. 5:6ss; Eth. En. 10:4ss; 11ss; 18:11ss; Jd. 6; 2 Pe 2.4).[9]
Terceiro, o Tártaro é somente um lugar temporário de juízo
para os anjos ali confinados. No final da história desta terra, eles,
juntamente com Satanás e os anjos caídos, serão destinados a um outro lugar de
juízo: o eterno Lago de Fogo (Mt 25.41; Ap 20.10).
Quarto, Pedro deixou bem claro que esses anjos já estavam no
Tártaro por causa de um pecado que cometeram antes que a carta fosse escrita.
Esse pecado não foi o pecado angelical original, a saber, a rebelião contra
Deus porque, se o fosse, então todos os anjos – inclusive Satanás – estariam
ali confinados. Em vez disso, tinha que ser um pecado mais repugnante, cometido
por esse grupo de anjos depois da rebelião original dos anjos contra Deus.
Antes e depois do tempo de Cristo na Terra, o entendimento
sobre Gênesis 6.1-4 era de que “os filhos de Deus” (Gn 6.1) eram
anjos que haviam se casado com “filhas dos homens” humanas,
produzindo descendentes gigantes, que se tornaram “varões de renome” antes do
Dilúvio. Esses anjos abandonaram sua esfera de influência designada e
esvaziaram a residência dos anjos nos céus.
A Septuaginta, a tradução grega do Antigo Testamento
hebraico, produzida por estudiosos judeus dos séculos II e III antes de Cristo,
indica que “os filhos de Deus” de Gênesis 6 eram anjos.[10] O
Livro de Enoque (o qual Judas cita nos versículos 14-15) e o Livros dos
Jubileus, literatura judaica produzida nos séculos II e III antes de Cristo,
apresentavam a mesma visão.[11] O mesmo fez Josefo, o famoso historiador judeu
do século I d.C.[12] Esta visão também foi a posição histórica da Igreja
primitiva até o século IV d.C.
O juízo de Deus sobre os homens de Sodoma e Gomorra, e das
cidades circunvizinhas, serve como exemplo daqueles que sofrerão a punição do
fogo eterno (Jd 7).
Apóstatas do Novo Testamento
Começando no versículo 8, Judas aplicou o exemplo dos
apóstatas do Antigo Testamento aos apóstatas do versículo 4, que haviam se
infiltrado enganosamente para dentro das igrejas. Eram falsos profetas que
afirmavam “ter visões e sonhos”,[13] criam que a graça de Deus permitia
imoralidade sexual e desprezavam a autoridade do senhorio de Cristo em suas
vidas. Além disso, como meros humanos, eles acharam que poderiam repreender os
anjos.
Judas contrastou as ações deles com as de Miguel, o arcanjo
(um anjo de alta posição), que, quando em disputa com Satanás acerca do corpo
de Moisés, disse: “o Senhor te repreenda!” (v.9), em vez de
ousar ele mesmo repreender Satanás. Judas usou esse exemplo para aconselhar os
apóstatas a terem cuidado em repreenderem os anjos, que são muito mais
poderosos que eles.
No versículo 10, Judas acusou esses apóstatas de blasfemarem
sobre coisas que eles ignoravam e, como animais irracionais, se corromperem com
coisas que entendiam por instinto natural.
No versículo 11, Judas declara: “Ai deles!”, por
causa de três coisas que haviam feito:
1. “Porque prosseguiram pelo caminho de
Caim”, rejeitando a ordem de Deus e a autoridade de Seu senhorio a fim
de fazerem o que queriam.
2. “Movidos de ganância, se precipitaram no
erro de Balaão”. Assim como Balaão usou gananciosamente seu ministério
profético para enriquecer, esses homens enganosamente afirmavam ter visões
significativas em sonhos a fim de ficarem ricos.
3. “E pereceram na revolta de Corá”. Assim
como Corá pereceu por causa de sua rebelião contra Moisés (Nm 16), esses
apóstatas também pereceram por causa da rebelião contra os líderes da Igreja
designados por Deus.
Deus certamente é rápido em perdoar e lento para se irar,
mas finalmente Ele tratará da apostasia. Fontes: (Renald E. Showers — Israel My Glory — Chamada.com.br)
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