Para serem consideradas 'estabelecimentos de saúde', as comunidades terapêuticas teriam que banir a religião do ambiente de tratamento.
Especialistas se reúnem no I Seminário Internacional sobre Drogas, no Paiuí. (Foto: Opinião Crítica)
Diversos líderes e representantes de comunidades terapêuticas do Brasil e de outros países estiveram reunidos nos últimos dias 20 e 21 (quinta e sexta-feira) em razão do 'I Seminário Internacional sobre Drogas' e decidiram assinar um documento em formato de carta pública, repudiando a conduta do Conselho Federal de Psicologia (CFP) com relação às casas de recuperação (sendo a maioria delas, cristãs).
O fato é que o Conselho Federal de Psicologia está tentando impedir que as comunidades terapêuticas ligadas a alguma entidade religiosa compartilhem seus princípios de fé com os internos.
A proposta da nota de repúdio à medida do Conselho veio da psicóloga paranaense Marisa Lobo, que participou do Encontro e também é uma das coordenadoras da campanha nacional "Maconha Não" - que combate a legalização da maconha e outros tipos de drogas ilícitas no Brasil.
Marisa, que chegou a ter o seu registro profissional cassado pelo Conselho Estadual de Psicologia do Paraná, mas conseguiu recuperá-lo mediante decisão judicial, afirmou que realmente existe uma atitude preconceituosa notável por parte do Conselho Federal de Psicologia contra as comunidades terapêuticas e grande parte deste tipo de conduta se dá pelo fato destas casas estarem ligadas a alguma religião.
"O Conselho persegue mesmo [essas comunidades] por serem cristãs. A última do Conselho agora é querer proibir que as comunidades terapêuticas falem de religião dentro delas. Isso é preconceito porque acham que comunidades terapêuticas só falam de religião. Mas não é isso. Existe sim, um programa terapêutico bem estruturado", afirmou Marisa com exclusividade ao Guiame.
No evento, a psicóloga propôs aos participantes que a nota de repúdio fosse produzida.
Marisa teve o apoio do presidente da Federação das Comunidades Terapêuticas Evangélicas do Brasil, pastor Wellington Soares. Ele também condenou a postura do Conselho Federal.
"Vamos apoiar e assinar essa carta de repúdio ao Conselho Federal de Psicologia contra o preconceito e a discriminação contra as comunidades", disse o presidente da Federação.
Segundo Soares, a conduta do Conselho de Psicologia só vem comprar o retrocesso na política de combate às drogas e no tratamento aos dependentes químicos.
"Em 2011 teve um avanço, mas está havendo um retrocesso por causa da vaidade de governos", destacou o pastor.
Ele ressaltou que o Piauí é um "berço" de ideias para mudar conceitos e valores nesta área. O pastor informou ainda que o Seminário Internacional sobre Drogas tem como objetivo sensibilizar os governos federal, estaduais sobre a possibilidade de buscar nas comunidades terapêuticas uma ferramenta para tratar a dependência química.
Confira abaixo a nota na íntegra, divulgada e assinada pelos líderes de comunidades terapêuticas:
NOTA DE REPÚDIO AO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA SOBRE SUA POSIÇÃO CONTRÁRIA AS COMUNIDADES TERAPÊUTICAS
Na ocasião do I Seminário Internacional sobre Drogas (SISDPI), realizado no Piauí nos dias 20 e 21 de julho, no auditório do Centro de Formação dos profissionais da Educação Antonino Freire, e realizado pela Casa do Oleiro e Celebrating Freedom (centros de recuperação), com o apoio do Governo do Piauí, através da Secretaria de Justiça, Coordenadoria de Enfrentamento às Drogas, Universidade Aberta do Piauí, Centro de Formação dos Profissionais da Educação Antonino Freire, Ordem dos Advogados do Piauí (OAB-PI), Conselho Estadual de Políticas sobre drogas, Associação dos Servidores da Educação Básica do Estado do Piauí, Associação de Conselheiros e ex-conselheiros tutelares do Estado do Piauí, Instituto Superior de Educação Programus e a Fundation for a Drug Free Word, as entidades representativas e profissionais abaixo relacionados vêm a público manifestar seu REPÚDIO ao CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP) devido sua militância contrária as práticas das chamadas Comunidades Terapêuticas (CTs).
Entendemos que além de não representar o entendimento acadêmico e interesses de toda categoria profissional de psicólogos no Brasil, ao se manifestar em nota sobre assuntos que são, também, de natureza política, o CFP viola sua competência legal autárquica de Conselho Profissional no que tange à regulamentação e fiscalização do exercício legal da profissão de psicólogo(a), assumindo o papel de órgão militante típico de classes profissionais, sindicatos e organizações não governamentais (ONGs), o que não é da sua seara. Isso por si só é um ponto crucial que, infelizmente, devido aos anos de entrelaçamento com ações semelhantes, passa despercebido aos olhos de muitos.
“Os conselhos profissionais não são entidades sindicais ou associativas que representam perante a sociedade os interesses de seus filiados ou associados. O dever legal dos conselhos profissionais é o de zelar pelo interesse público, efetuando, para tanto, nos respectivos campos profissionais, a supervisão qualitativa, técnica e ética do exercício das profissões liberais, na conformidade da lei. (COSTA; VALENTE, 2008, p. 8). ...Conselhos exercem nos respectivos campos de atuação o poder de polícia das profissões, zelando pela integridade e disciplina profissional em favor do interesse geral da sociedade”(1).
No entanto, embora exista na sociedade uma demanda urgente pelo enfrentamento da dependência química, tendo como referência o Relatório da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos(5) publicado em 28 de novembro de 2011, o CFP resolveu ingressar na militância contrário aos interesses da sociedade, que é de enfrentar e vencer o impacto social causado pelo uso abusivo de drogas no Brasil. Para tanto, a sociedade não apenas tem apoiado como financiado modelos de intervenção das Comunidades Terapêuticas, motivo pelo qual o número delas tem crescido face aos relatos de maior sucesso no tratamento das “dependências”.
Alegando, entretanto, a defesa dos “direitos humanos” e violação dos princípios da “Reforma Psiquiátrica” com base num relatório que investigou apenas 68 instituições das 1.963 existentes no país (IPEA)(2), o CFP publicou em 18/03/2015 uma matéria(3) posicionando-se contrário à proposta de regulamentação das Comunidades Terapêuticas, em reunião do Conselho Nacional de Saúde (CNS) realizada nos dias 12 e 13 de março daquele ano. Posteriormente, em 03/06/2015, o CFP publicou outra matéria(4) informando a elaboração e entrega de um documento expressando mais uma vez seu posicionamento contrário as CTs.
Ora, é preciso deixar claro que nos posicionamos em favor da absoluta maioria das Comunidades Terapêuticas, que diferentemente do que alega o CFP de forma generalizada e por vezes preconceituosa, não violam direitos humanos e não contrariam os princípios da Reforma Psiquiátrica. Não compactuamos com quaisquer violações de direitos, todavia, entendemos que “direitos humanos” pode ser, também, um conceito interpretado de forma equivocada ou, no mínimo, tendenciosa, querendo fazer prevalecer determinadas ideologias que desprezam o real sofrimento humano.
Entendemos que os métodos de tratamento utilizados na maioria das Comunidades Terapêuticas, especialmente no que diz respeito ao uso de elementos religiosos e a laborterapia, bem como na transmissão de conhecimentos de ex-acolhidos e disposição hierárquica dos mesmos, consoante ao avanço no tratamento, são todos de caráter voluntário e dispositivos válidos de grande importância, pois fazem parte da constituição de sentido de todo sujeito que vive numa comunidade.
Entendemos que direitos humanos foram criados para dar aos humanos o direito, por exemplo, da liberdade, sendo como eles próprios entendem, humanos de direitos, e não pessoas enquadradas num corpo teórico de leis artificiais que não traduzem no seu modo de vida prático suas grandes necessidades. O que observamos, todavia, é que o discurso sobre “direitos humanos” tem sido utilizado por alguns como dispositivo ideológico para determinar, para o outro, o que seriam essas necessidades, ao invés de lhe oferecer meios para que por si mesmo possa encontrá-las e compreendê-las.
Ao dar a oportunidade para que o sujeito aceite e se submeta ao “tratamento” em uma Comunidade Terapêutica, compreende-se que este é livre para tomar essa decisão, motivo pelo qual entendemos não haver violação de direitos ao serem aplicadas regras que visam o funcionamento da casa e sucesso em sua metodologia, desde que se mantenha respeitado, também, o direito do “usuário” de abandonar o tratamento caso ache necessário.
Dessa forma, pensamos também com respaldo de vasta fundamentação acadêmica, que o incentivo da fé, por exemplo, não implica substituir uma dependência por outra. Tal afirmação é risória e destituída de profundo conhecimento quanto à natureza do sentimento religioso que acompanha, não por acaso, a humanidade desde os primórdios, constituindo grande parte do universo de significado humano, o que alguns chamam simplesmente de Ética. Tal concepção reducionista é artificial e desconectada da realidade, visto que desconsidera o testemunho dos ex-dependentes alegando, isto sim, liberdade, perspectiva de vida, esperança e felicidade, ao invés não prisão.
Quanto à divergência e pluralidade dos métodos, entendemos que apesar de haver a necessidade de regulamentação e fiscalização de questões básicas, as Comunidades Terapêuticas possuem uma metodologia que se caracterizam como “alternativas” e, portanto, não devem ser tratadas como instituições pautadas pelos métodos comuns de intervenção, visto que é justamente pelo desenvolvimento da própria metodologia que as CTs se diferenciam das unidades convencionais de saúde.
Dessa forma, compreendemos também que os princípios da Reforma Psiquiátrica não devem ser tratados como dogmas, criando uma espécie de legalismo institucional que visa enquadrar todos os métodos a um modelo “X” de saúde. Se isso não for observado, corremos o risco de enrijecer o conhecimento, inibindo também o que se mostra eficaz ao invés apenas dos equívocos e reais violações, fazendo surgir um novo modelo manicomial, com nova roupagem, de muros invisíveis e regido pela burocracia.
Isto posto, repudiamos o posicionamento do Conselho Federal de Psicologia contrário às Comunidades Terapêuticas de forma indiscriminada, por entender que despreza a legitimação das boas instituições, competentes e comprovadamente apoiadas pela própria sociedade e experiências positivas das pessoas que fazem uso desse modelo, o que significa o abandono da sua função enquanto órgão voltado para o interesse popular.
Assim, assinamos:
Feteb
Fecontepi -
Casa do oleiro
Celebrating Freedom
Foundation For a Drug Free World
Branch Hause
Cendrogas
CEPD PI
Assebepi
Youth for Human Rights International
Sérgio Harfouche
Marisa Lobo Franco Ferreira Alves
Sâmio Falcão Mendes
Carlos Augusto
Roger Howard Morrell
Rita Lemos R. Leite
Andréia Valéria da R. Cavalcanti
Lance Godsey
Witson Marcelo R. da Silva
Cesar Augusto Bances Arbanil
José de Ribamar Dias Carneiro
Genival Silva Ibiapina
Silvânia Leal
Isaque Folha
Maria José Sales
José Gouveia de Oliveira
Maria Lila Castro de Carvalho
Lisiane Santos da Mota
Debora Oliveira
Elilian Basílio e Silva
REFERÊNCIAS:
(1) http://www2.camara.leg.br/a-camara/documentos-e-pesquisa/estudos-e-notas-tecnicas/areas-da-conle/tema1/2008-14144.pdf
(2)http://ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/20170418_nt21.pdf
(3)http://site.cfp.org.br/cfp-e-cfess-se-mostram-contrarios-as-comunidades-terapeuticas/
(4)http://site.cfp.org.br/cfp-se-manifesta-contrariamente-a-resolucao-que-regulamenta-funcionamento-de-comunidades-terapeuticas/
(5)http://www.global.org.br/blog/lancamento-de-relatorio-de-inspecao-em-68-comunidades-terapeuticas-revela-violacoes-de-direitos-humanos/
FONTE: GUIAME, COM INFORMAÇÕES DA CIDADE VERDE
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