Juliano Spyer (*)
O Brasil vive um momento de tensão entre pessoas favoráveis
e contrárias ao impeachment. Por causa das redes sociais, a exposição das
diferenças também provoca rachas no âmbito privado entre amigos e entre
familiares. Mas milhares de brasileiros estão alheios a esse assunto.
Em um texto que circula online, um morador do Morro do
Viradouro, no Rio de Janeiro, justifica o alheamento das classes populares do
debate politico nacional. Segundo ele, a ideia de que esteja ocorrendo um
golpe, por exemplo, não faz sentido para quem vive o cotidiano de assassinatos
e torturas da época da ditadura.
Outro grupo que também faz parte das camadas populares e que
é também desprezado pelas classes médias educadas é o dos evangélicos.
Esse desentendimento aparece, por exemplo, em um artigo da
The Economist sobre as justificativas dadas por deputados que votaram durante a
sessão sobre o impeachment. A revista preferiu enfatizar o estereotipo
carnavalesco (pouco sério) do País e perdeu a oportunidade de mostrar como a
maior parte dos motivos se referiam a família, religião e Deus. Estes são temas
relevantes para os 25% de brasileiros que hoje se identificam como evangélicos.
Analistas de marketing usam a expressão “pensar fora da
caixa” para se referir a ser criativo. Uma versão etnográfica dessa expressão
pode ser “pensar fora da bolha”; neste caso, a bolha é a classe social.
Em círculos educados, evangélicos são vistos no melhor caso
como fanáticos religiosos, mas mais frequentemente são percebidos como
ignorantes, retrógrados e mau intencionados. Nos 15 meses em que morei num
povoado trabalhador no litoral da Bahia para uma pesquisa de campo, tive uma
experiência mais nuançada desse fenômeno.
Este grupo é moralmente conservador, mas está longe dos
estereótipos cultivados dentro da bolha. As ambições de atingir sucesso
financeiro são na maior parte dos casos o desejo de fazer parte do mesmo mundo
de consumo que os afluentes habitam. Para além disso, a contribuição dos
evangélicos à sociedade é quase completamente ignorada.
As organizações evangélicas estão frequentemente mais
presentes e ativas do que o governo na vida das populações vulneráveis. Além do
apoio espiritual, grupos pentecostais promovem a alfabetização ativamente em
suas comunidades e também intermediam o contato de fieis com serviços
especializados com advogados e médicos.
Ao “reciclarem almas” de dependentes químicos e criminosos,
oferecem um serviço não reconhecido, mas valioso para a sociedade – muito
melhor do que a polícia pode sonhar em oferecer.
Isso não serve para negar a moral conservadora abraçada por
este grupo em temas como aborto e casamento gay, ou para justificar a atuação
de alguns políticos evangélicos. Trata-se aqui de uma visão baseada na
experiência etnográfica.
Há 100 milhões de brasileiros – metade da população do País
– na chamada ‘nova classe média’ (na verdade, uma nova classe trabalhadora), e
o pentecostalismo tem uma contribuição ainda desprezada nesse processo de
mudança socioeconômica.
A dificuldade de aceitar o evangélico talvez resida no fato
de eles não se enquadrarem na visão idealizada e vitimizada do pobre.
Ressalta-se o fanatismo e despreza-se como eles valorizam a educação (inclusive
a superior). Menciona-se o conservadorismo, mas esquece-se da redução da
violência doméstica e do alcoolismo nas famílias evangélicas.
Os evangélicos estão vencendo os estigmas e a condição de
pobreza ligados à história de desigualdade do Brasil. Ter um olhar generoso e
interessado em vez de preconceituoso em relação a essa população pode ajudar a
entender por que eles também estão alheios ao debate sobre o impeachment.
Fonte: http://www.noticiascristas.com/
(*) Juliano Spyer é antropólogo do projeto Why We Post da
University College London. Ele pesquisa os efeitos das novas mídias na
mobilidade social das classes populares emergentes.
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